Título:
Currículo
multicultural
Autor: Marcia
Moraes
Este
material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998,
não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.
Adaptado
por: Milena Brito.
Imagens
descritas por: Milena Brito.
Revisado
por: Maria Aparecida.
Adaptado
em: maio de 2025.
Padrão
vigente a partir de março de 2022.
Referência:
MORAES, Marcia. Didática I. Rio de
Janeiro: Waldyr Lima Editora, 2006. p. 88-95.
P. 1
TEXTO
Marcia Moraes
Em seus livros, o educador
Paulo Freire aborda o conceito de “oprimido”. Existem várias formas de
opressão:
Os estudos multiculturais e,
por conseguinte, o currículo
multicultural é utilizado exatamente para tornar a educação mais inclusiva,
de forma que todos grupos sociais tenham voz no desenvolvimento curricular.
Quando abordamos a ideia de
desenvolver um currículo multicultural, inevitavelmente abordamos o conceito de
democracia. Ela indica a construção da esfera pública com os
diversos grupossociais e as suas próprias identidades e histórias. A
democracia é assustadora para quem é conservador, porque esses diversos grupos
passam a ser participantes ativos das decisões em lugar de simples consumidores
passivos no sistema político.
Um outro conceito que também
precisa ser revisto ao construirmos um currículo multicultural é o de cultura. De modo geral, nos limitamos a
pensar nos povos que possuem hábitos alimentares ou línguas ou festividades
diferentes das nossas. Apesar de esses aspectos fazerem parte da definição de
cultura, este conceito é um pouco mais complexo e amplo.
P. 2
Nós existimos em relação às
outras pessoas. Ao mesmo tempo, ocupamos múltiplas posições; isto é,
pertencemos a uma determinada classe social, temos uma determinada orientação
sexual, pertencemos a um determinado gênero etc. Como todos os discursos sociais
(sexualidade, religião, profissão, gênero etc.) contêm valores diversos, a
cultura é contraditória e, também, uma arena de conflitos, na qual coexistem
variadas perspectivas.
Assim, pode-se afirmar que a cultura possui várias culturas e quando
falamos apenas em festividades ou nas línguas de um povo, abordamos uma pequena
face do significado de cultura. As
pessoas são as produtoras e o produto da cultura. Por isso, pode-se afirmar
que a discriminação e o preconceito, por exemplo, não são problemas meramente individuais
ou oriundos de uma divindade, mas culturais. Eles existem e fazem parte da
cultura porque são o produto das relações humanas.
A falta de acesso de vários
grupos sociais, tais como o de mulheres, afrodescendentes, pobres, às decisões
sociais reafirma o que os teóricos críticos da educação chamam de capital cultural.
P.
3
A explicação é a seguinte: o grupo cultural dominante (masculino,
branco, rico, heterossexual) exerce seu poder construindo as diferenças dos grupos culturais subordinados. Por
exemplo, a diferença entre os pobres e os ricos; entre os heterossexuais e os
homossexuais etc.
Observe, agora, a explicação
de Peter McLaren sobre como o capital cultural está presente nas escolas.
Os estudantes da cultura dominante
herdam um capital cultural substancialmente diferente do que os estudantes
economicamente desprivilegiados, e as escolas geralmente valorizam e
recompensam aqueles que exibem o capital cultural dominante (que, em geral, é
também exibido pelo professor). […] Sendo assim, o
desempenho acadêmico não representa competência individual ou falta de
capacidade dos estudantes desprivilegiados, mas a depreciação da escola pelo
seu capital cultural. (McLAREN, 1997, p. 224, grifo do autor)
Para alguns dos teóricos
críticos da educação; ou seja, que defendem a Pedagogia Crítica e que também
defendem a visão pós-crítica do currículo, como Peter McLaren e Henry Giroux,
há três tipos básicos de cultura que convivem em sociedade. Para você ter uma
ideia de como esses três tipos convivem, vamos apresentar uma espécie de
pirâmide, na qual a cultura dominante[nota 2] está no
topo, a cultura subordinada está no
meio e abaixo de todas está a subcultura[nota 3].
P.
4
Com essa divisão, os teóricos críticos não dizem que uma cultura
é melhor do que outra, mas que há uma determinada hierarquia organizada pelo
poder aquisitivo dos grupos sociais. A
cultura dominante, para manutenção de seu poder, transforma as manifestações da
subcultura em “moda” da cultura subordinada e da própria cultura dominante
(exemplo: calça jeans rasgada, sandálias de plástico, piercings, tatuagens).
Por isso, é necessário desenvolver um currículo multicultural objetivando
analisar como as construções sociais são modificadas para atender a
determinados grupos privilegiados.
Na maioria das nossas escolas, a educação multicultural não é
praticada de forma alguma, sendo apenas reduzida à comemoração de algumas datas
especiais como o “Dia do Índio” e fazendo referência, por exemplo, ao 13 de
Maio como o da “Libertação dos Escravos”. Isso reforça a ideia conservadora de
que um currículo multicultural é para a “minoria” de estudantes e que os
“outros” estudantes não necessitam desse tipo de educação, porque sua cultura
(classe alta ou média, branca) já está sendo representada no currículo.
A palavra “minoria” significa — para os conservadores da
sociedade — os grupos com problemas sociais, no sentido quantitativo da palavra. Portanto, dizem esses conservadores, não
há necessidade de formular currículo diferenciado para atender/representar as
minorias.
A palavra minoria
é comumente utilizada para fazer referência aos grupos socialmente oprimidos,
tais como o grupo de mulheres, afrodescendentes, homossexuais, pobres etc.
Nesse contexto, minoria não faz
referência à quantidade de pessoas, mas à
falta de força político-social desses grupos. Por exemplo, sabemos que há
uma quantidade muito maior de pessoas pobres do que ricas, mas a denominada
“minoria” é representada pelo grupo de pobres; isto é, o grupo que não tem poder de decisão. As minorias, apesar de existirem em número muito maior, são totalmente
excluídas das tomadas de decisão que afetam toda a sociedade.
Agora, imagine a seguinte situação que, talvez, você tenha
experimentado: um/uma estudante mora numa casa de um cômodo, que divide com sua
família numerosa, numa comunidade extremamente pobre e, ao ir à escola para estudar
o conceito matemático de área, deve solucionar problemas que apresentam
questões do tipo: “precisamos azulejar a piscina. Como vamos calcular o número
de azulejos necessários?” ou
“Precisamos colocar carpete na sala de estar. Como vamos calcular os gastos?”
A minoria pobre
pode saber o que é piscina e carpete, mesmo sem tê-los. Os “outros” estudantes
conhecem a piscina e o carpete com maior intimidade. Será que o ensino não poderia
ser mais igualitário e multicultural propondo, em lugar de azulejar a piscina
ou colocar o carpete na sala, que os/as estudantes pudessem calcular a área da
sala de aula ou de algum lugar comum a toda a turma? Certamente, a escola
estaria pondo em prática a educação inclusiva.
Os grupos de estudantes têm capitais culturais bem diversos,
mas o que serve de patamar para a avaliação escolar é sempre o capital cultural
da classe dominante.
P.
5
Considerando os esclarecimentos sobre o capital cultural,
podemos indicar alguns dos aspectos presentes na escola que impedem o
desenvolvimento de um currículo multicultural:
A
esta altura, você deve estar perguntando:
Apresento algumas sugestões:
P.
6
O currículo multicultural deve
fazer parte de todos os tipos de currículo escolar, seja de ciências ou libras
ou matemática ou língua portuguesa ou geografia, enfim, ele deve estar presente
em TODOS os currículos.
REFERÊNCIAS
McLAREN, Peter. A vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos
fundamentos da educação. Porto Alegre: Artmed, 1997.
MORAES, Marcia. Ser Humana: quando a mulher está em discussão. Rio de Janeiro:
DP&A, 2002
Página notas de rodapé
Nota 1, página 1: Este texto é
um conjunto de extratos do seguinte livro: MORAES, Marcia. Didática I. Rio de Janeiro: Waldyr Lima Editora, 2006. p. 88-95.
Nota 2, página 3: Controle da
riqueza material e simbólica significa que a classe dominante é capaz de
produzir os sonhos e os desejos tanto da classe subordinada quanto da própria
classe dominante (exemplo: padrões de beleza feminina e masculina).
Nota 3, página 3: Como aspecto
crítico, há 30 anos, a moda Funk apareceu trazendo uma contestação muito lúcida
da subcultura sobre a cultura dominante, sobre o sistema carcerário, sobre os
ricos que roubam os pobres, sobre a exploração trabalhista, etc. No entanto, a
elite hegemônica trouxe o Funk para ser cultura e, por conseguinte, todo o
caráter contestador foi reprimido, dando lugar à submissão feminina […] com
letras de músicas que desvalorizam totalmente as mulheres, chamadas de
“cachorras”, “vagabundas”, que são pegas pelas “rabiolas” e que “apanham porque
gostam”, porque ‘um tapinha não dói’.” (MORAES, 2002, p. 76, grifo da autora)