Título: Diretrizes curriculares nacionais para a oferta de educação plurilíngue.

Autor: Ministério da Educação.

Este material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998, não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

Adaptado por: Pedro Henrique.

Revisado por: Pedro Henrique.

Adaptado em: Maio de 2025.

Padrão vigente a partir de março de 2022. 

 

Referência: BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a oferta de educação plurilíngue. Brasília: MEC, 2020. 28 p.


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AGUARDANDO HOMOLOGAÇÃO

[Descrição da imagem] Fotografia em preto e branco. Na imagem está o brasão de armas da República Federativa do Brasil. Ao centro há uma estrela de cinco pontas com um círculo ao meio contendo o Cruzeiro do Sul. Ao redor da estrela há ramos de café e tabaco, abaixo, uma inscrição com as frases "República Federativa do Brasil" e a data "15 de novembro de 1889". [Final da descrição]

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

 CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

 

INTERESSADO: Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica

UF: DF

ASSUNTO: Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue.

COMISSÃO: José Francisco Soares (Presidente), Ivan Cláudio Pereira Siqueira (Relator), Gersem José dos Santos Luciano e Suely Melo de Castro Menezes (membros).

PROCESSO Nº: 23001.000898/2019-20

PARECER CNE/CEB Nº:

2/2020

COLEGIADO:

CEB

APROVADO EM:

9/7/2020

 

I – RELATÓRIO

 

1. Histórico

 

A elaboração            de Diretrizes Curriculares  Nacionais pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) é atribuição federal conforme os termos do inciso IV da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e alínea “c”, § 1°, do artigo 9° da Lei n° 9.131, de 24 de novembro de 1995, sobre as atribuições da Câmara de Educação Básica (CEB). As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica foram normatizadas pelo Parecer CNE/CEB n° 7, de 7 de abril de 2010 e Resolução CNE/CEB n° 4, de 13 de julho de 2010.

Com o crescimento exponencial de instituições de ensino bilíngues, o CNE passou a receber solicitações sobre a necessidade de normatização. Embora o tema já tenha sido tratado pela Câmara de Educação Básica, passamos a recepcionar e problematizar experiências privadas e públicas, a exemplo da pioneira edição de educação bilíngue em comunidades carentes no município do Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro, e do programa intensivo de língua adicional desenvolvido na rede pública de ensino no município de Londrina, no estado do Paraná. Ao longo de 2019, debatemos as normas estabelecidas em São Paulo (2008 e 2012), no Rio de Janeiro (2013) e em Santa Catarina (2016). Em 2020, a norma estadual do Maranhão (2020). Depois da pandemia de COVID-19, efetivamos discussões online, ampliando o contato com especialistas            internacionais e com grupos nacionais acadêmicos que se dedicam ao estudo da temática.

Assim, para dar consecução ao estudo do tema, em 15 de outubro de 2019, por meio da Indicação CNE/CEB n° 2/2019, apresentamos à Câmara de Educação Básica sugestão de constituição de Comissão no âmbito da Câmara de Educação Básica, com o objetivo de propor norma para o assunto em questão.

Por intermédio da Portaria n° CNE/CEB n° 8, de 15 de outubro de 2019, foi constituída Comissão com o objetivo analisar, propor e normatizar as Escolas bilíngues e as Escolas internacionais no Brasil. Para compor a Comissão foram designados os conselheiros José Francisco Soares, presidente, Ivan Cláudio Pereira Siqueira, relator, e Gersem José dos Santos Luciano e Suely Melo de Castro Menezes, membros.

A preparação deste documento contou com inúmeros especialistas, estudiosos, populações indígenas, populações surdas, de instituições de ensino superior públicas, privadas e agentes do terceiro setor. E de instituições de educação básica, e de amplos setores envolvidos no ecossistema das diversas modalidades e esforços que constituem o múltiplo


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panorama linguístico do país. O Conselho Nacional de Educação hospedou diversas apresentações sobre contextos bilíngues de educação existentes no país. Com efeito, a Câmara de Educação Básica problematizou intensamente o tema por meio da participação em encontros nacionais e internacionais e revisando extensa literatura. A Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC) colaborou na versão final do documento. Por meio de escrutínio público, o esboço deste documento foi submetido à sociedade brasileira, sendo que as sugestões de melhoria estão aqui plasmadas.

 

Educação Indígena

 

Em relação à educação plurilíngue, a legislação educacional brasileira explicita direitos linguísticos às populações indígenas e às populações surdas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Declaração da Organização das Nações Unidas (2007), sublinham o direito de “utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” A Constituição Federal de 1988, no § 2° do artigo 210, e a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada pelo Decreto n° 5.051, de 19 de abril de 2004 (revogado pelo Decreto n° 10.088, de 5 de novembro de 2019), também referendam esses direitos. O Decreto n ° 6.861, de 27 de maio de 2009, dispõe sobre a Educação Escolar Indígena e modos de organização em territórios étnico-educacionais.

O artigo 78 da LDB assegura que:

 

[...]

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilingüe e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.

 

Já o artigo 79 da LDB assevera que:

 

[...]

Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.

§ 1° Os programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas.

§ 2° Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos:

I - fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de cada comunidade indígena;

II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;

III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;

IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado.

 


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§ 3° No que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras ações, o atendimento aos povos indígenas efetivar-se-á, nas universidades públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e de assistência estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas especiais. (Incluído pela Lei n° 12.416, de 2011)

 

Essas conquistas históricas se acentuaram com a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI, 2010), fruto do comprometimento de professores indígenas, pesquisadores e lideranças que fizeram a I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (CONEEI) em 2009. Em decorrência da II CONEEI (2018), estabeleceu-se o “Sistema Nacional de Educação e a Educação Escolar Indígena: regime de colaboração, participação e autonomia dos povos indígenas", e todo um conjunto normativo garantindo direitos e oferecendo promessas às populações indígenas. O último censo demográfico indicava a existência de 897 mil indígenas em 305 etnias, falando 274 línguas (IBGE, 2010).

No CNE, foram celebradas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica, conforme Resolução CNE/CEB n° 5, de 22 de junho de 2012, e o Parecer CNE/CEB n° 13, de 10 de maio de 2012. Complementam esses documentos normas específicas para a formação de professores indígenas em cursos de Educação Superior e de Ensino Médio, conforme Resolução CNE/CP n° 1, de 7 de janeiro de 2015 e Parecer CNE/CP n° 6, de 2 de abril de 2014.

Sabemos que por volta do ano de 1500, o tupinambá era a língua utilizada em grande parte da nossa costa litorânea. Ao longo do tempo, tivemos línguas francas (tupi/tupinambá) faladas por diferentes populações nativas. Com a colonização, estabeleceram-se o nheengatu como língua geral da região amazônica, e a língua geral paulista no sul e sudeste do país. Por pelo menos dois séculos, essas línguas foram utilizadas não somente pelas diferentes populações indígenas, mas também pelos colonizadores e pelas populações negras. Historicamente, a língua geral amazônica foi a nossa língua oficial entre 1689 e 1727, tendo sido uma das principais línguas utilizadas na colônia até o século XVIII. Todavia, um decreto de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, em meados do mesmo século, assinalou a sua proscrição oficial.

Embora haja poucos registros, em decorrência da escravização de africanos (Sudaneses, Bantos; Angolanos, Moçambicanos), estima-se que um conjunto expressivo de línguas africanas aportou ao país. Analogamente, as diversas comunidades de imigrantes (asiáticas, africanas, europeias) de várias nacionalidades e paragens trouxeram outras línguas e culturas para o cenário plurilinguístico que já existia no Brasil.

Contudo, observávamos um esforço nacional de reconhecimento da diversidade e da valorização das línguas das populações indígenas. Nesse sentido, o conjunto de leis e normas em vigor expressa uma compreensão dessa riqueza, alcançada também em função de pressões externas e da diuturna luta dos povos indígenas. Nessas populações, não parece ser raro o fenômeno do plurilinguismo, como se observa na região do Alto Rio Negro (Amazonas), no Alto Xingu, no Mato Grosso do Sul, em Roraima e no Amapá. Em muitos casos, em conexão com as línguas de fronteira. Por outro lado, há também sociabilidades que se expressam por meio do bilinguismo ou do monolinguismo. A luta contemporânea pela preservação de suas culturas milenares e de suas línguas têm conduzido alguns povos indígenas à Universidade.

Ainda observamos experiências de cooficializar línguas indígenas e de migração em algumas localidades. Segundo o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL), em 2004, o município de São Gabriel da Cachoeira (AM) adotou três línguas indígenas - Tukano, Nheengatu e Baniwa, adicionais à língua portuguesa. Outros municípios seguiram esse exemplo.

Por meio do Decreto n° 7.387, de 9 de dezembro de 2010, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) instituiu o Inventário Nacional da Diversidade


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Linguística (INDL). A iniciativa procurava valorizar o patrimônio linguístico nacional e o fomento à documentação das línguas faladas no país. Em relação às línguas indígenas, foram reconhecidas como Referência Cultural Brasileira: Asurini, Guarani M’bya, Nahukuá, Matipu, Kuikuro e Kalapalo. Também foi reconhecida a língua de migração Talian, utilizada no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso e Espírito Santo.

Esse esforço de categorização alcançou usos regionais da língua portuguesa, línguas de migração, práticas linguísticas diferenciadas de comunidades remanescentes de quilombos, línguas crioulas e duas línguas de sinais de comunidades surdas.

As comunidades surdas passaram a ter reconhecimento de que sua língua constitui patrimônio imaterial digno de preservação pelo país. O INLD é um “instrumento de identificação, documentação, reconhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 2010).

Se no passado trilhamos percursos sombreados pelo silenciamento de línguas e culturas, buscando a exclusividade da língua portuguesa, já é tempo de rumarmos na direção de políticas educacionais de valorização, respeito e congraçamento da diversidade cultural e linguística do Brasil - que contempla centenas de línguas indígenas, pelo menos 30 de comunidades descendentes de imigrantes e as práticas linguísticas tradicionais das comunidades afro-brasileiras, em especial as quilombolas.

 

Educação de Surdos

 

É também longa a trajetória de lutas das populações surdas pelos seus direitos linguísticos e sociais. O capítulo “II. Linhas de ação em nível nacional: política e organização” da Declaração de Salamanca (1994), inciso 19, sublinha que:

 

[..]

19. Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situações individuais. A importância da linguagem de signos como meio de comunicação entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e provisão deveria ser feita no sentido de garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso a educação em sua língua nacional de signos.

 

A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (1996) assinalou o direito à aquisição e à escolarização pelas pessoas surdas da língua de sinais do seu país. Já em 1977, a Declaração de Friburgo sobre os Direitos Culturais enfatizava o direito internacional das minorias se constituírem enquanto sujeitos e sujeitas em suas culturas. No Brasil, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida pela Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002, e regulamentada pelo Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005.

A meta 4.7 da Lei 13.005, de 25 de junho de 2014, do Plano Nacional de Educação (PNE) assegura a:

 

[..]

4.7) garantir a oferta de Educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS como primeira língua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua, aos (às) alunos (as) surdos e com deficiência auditiva de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto n°5.626, de 22 de dezembro de 2005 (...)


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Mas infelizmente não temos dados suficientes para o monitoramento global da Meta 4 (Educação Especial/Inclusiva), uma vez que o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não coleta todas as informações necessárias.

Entretanto, sabemos que temos aproximadamente 4,6 milhões de pessoas que possuem deficiência auditiva; e 1,1 milhão de surdas, conforme o último censo (BRASIL, IBGE, 2010). As categorias para esse levantamento foram as seguintes: 1) não conseguem ouvir; 2) têm grande dificuldade para ouvir; e 3) têm alguma dificuldade para ouvir. Embora ainda sejam escassas as estatísticas sobre surdos no Brasil, o Censo Escolar de 2016 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) apontava a existência de 22 mil estudantes surdos na Educação Básica, outros 32,1 mil apresentavam alguma deficiência auditiva, e 328 eram surdocegos. A dimensão da trajetória das populações surdas na educação básica, no ensino técnico e tecnológico, e no ensino superior requer indicadores mais precisos para que as políticas públicas alcancem a desejada eficácia.

Conforme o artigo 2° do Decreto no 5.626/2005, pessoa surda é “aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras’”. Dada a complexidade das línguas de sinais e a sua fundamental importância para o desenvolvimento e socialização, o contexto bilíngue (Libras e língua portuguesa) tem sido apontado por especialistas e pela comunidade surda como fundamental para a garantia dos seus direitos. Ainda é preciso reconhecer as distinções culturais existentes nas línguas de sinais. No Brasil, além da Libras e suas variantes territoriais e culturais, temos a língua de sinais Kaapor (LSKB), da população surda indígena homônima.

Em 2014, o Ministério da Educação (MEC) constituiu um grupo que elaborou o “Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue - Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa”. Designado por meio das Portarias n° 91/2013 e 1.060, de 30 de outubro de 2013, o trabalho advogava que a condição de surdez não mais deveria ser compreendida como anomalia a ser normalizada:

 

[...]

As conquistas dos movimentos sociais, em especial, as dos movimentos surdos deslocaram a questão da diferença de ser surdo - como elemento nucleador de um povo - da condição auditiva; um povo, ou comunidade, com cultura própria.

 

O parágrafo único do Artigo 1° da Lei 10.436/2002 estabelece que:

 

[...]

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual- motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Já o Decreto n° 5.626/2005, que regulamentou a Lei n° 10.436/2002, explicita:

 

[...]

Art. 22 As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de:

I - escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental;


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II - escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.

§ 1° São denominadas escolas ou classe de educação bilíngue aquelas em que Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.

§ 2° Os alunos têm direito à escolarização em um turno diferenciado ao do atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de informação.

§ 3° As mudanças decorrentes da implementação dos incisos I e II implicam a formalização pelos pais e pelos próprios alunos, de sua opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras.

§ 4° O disposto no § 2° deste artigo deve ser garantido também para os alunos não usuários de Libras.

Art. 23 As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação.

§ 1° Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade linguística do aluno surdo.

§ 2° As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.

 

Sabemos que as instituições federais referidas no Decreto n° 5.626/2005 não são suficientes para promover a educação que os surdos necessitam na educação básica, haja vista que a maioria das redes estão no âmbito de municípios e estados.

A Lei n° 13.146, de 6 de julho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), assim assegura nos seus respectivos incisos IV e XI do artigo 28:

[..]

IV. a oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas.

XI. formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio.

 

Esses direitos conquistados pelas populações surdas se devem ao seu engajamento e organização, a ativistas, professoras, professores e intelectuais comprometidos com a causa. Signo desse esforço é a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS). Fundada em 1987 no Rio de Janeiro, a instituição tem buscado vigorosamente a implementação de políticas educacionais que efetivamente estabeleçam a Libras como a sua primeira língua, e a língua portuguesa como língua adicional na modalidade escrita. A luta por direitos se estende à cultura, à saúde e à assistência social. Fruto desse esforço é a


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existência no MEC de um setor específico, a Diretora de Políticas Educação Bilíngue de Surdos.

Segundo a FENEIS (2013):

[..]

As escolas bilíngues são aquelas onde a língua de instrução é a Libras e a Língua Portuguesa é ensinada como segunda língua, após a aquisição da primeira língua; essas escolas se instalam em espaços arquitetônicos próprios e nelas devem atuar professores bilíngues, sem mediação de intérpretes na relação professor - aluno e sem a utilização do português sinalizado.

 

Academicamente, houve uma ampliação dos estudos linguísticos sobre a Libras no Brasil a partir dos anos de 1980, em instituições como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade de Campinas (Unicamp). O primeiro curso para professores surdos universitários (Letras-Libras) se deu em 2006 na UFSC (SOUZA, 2013).

Mesmo com essas conquistas, o Movimento Surdo Brasileiro (MSB) ainda se ressente de normas que regulamentem os seus direitos educacionais. No caso das populações indígenas, o problema é, sobretudo, o descumprimento de direitos já arrolados em leis e normas.

Por isso, há cerca de um ano o CNE vem trabalhando em “Diretrizes Curriculares para Educação Bilíngue para Populações Surdas”, objetivando regulamentar e promover os seus direitos educacionais. O trabalho vem sendo desenvolvido em conjunto com representantes dessas populações, com especialistas, acadêmicos e instituições de várias regiões do país. Contamos ainda com a colaboração da recentemente criada Diretoria de Políticas Educação Bilíngue de Surdos do MEC.

Enquanto o CNE não concluir diretrizes específicas para as populações surdas, o que aqui está disposto abarcará as escolas bilíngues para surdos. Nessas escolas, a educação dar-se-á em LIBRAS, sendo a língua portuguesa escrita como língua adicional. As escolas que não são bilíngues e que acolhem pessoas surdas devem cumprir a legislação existente.

 

Educação em regiões de fronteiras

 

Em decorrência do Mercosul (1991), Argentina e Brasil firmaram a Declaração Conjunta de Brasília para o Fortalecimento da Integração Regional (2003), a partir da qual iniciou-se o Programa Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira do Mercosul. Em 2006, ocorreu o “I Seminário de Escolas de Fronteira do Mercosul”, no município de Foz de Iguaçu, no estado do Paraná.

Com base em princípios da interculturalidade entre a língua portuguesa e a língua espanhola, a Portaria n° 798, de 19 de junho de 2012 instituiu o Plano Político Pedagógico de Escolas-Gêmeas - programa de cooperação de escolas de fronteira. Uma década depois da declaração conjunta, participavam Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Na sequência, almejava-se abarcar Colômbia, Peru, Guiana e Guiana Francesa, o que implicaria no acréscimo da língua inglesa e da língua francesa. Dados iniciais desse programa indicavam que havia maior presença da língua portuguesa nessas fronteiras do que da língua espanhola, diferentemente do que acontecia em meados de 1950.

Mais recentemente, a CEB/CNE trabalhou conjuntamente com a Defensoria Pública da União e o Instituto Articule para regulamentar “a matrícula de crianças e adolescentes migrantes, refugiados, apátridas e solicitante de refúgio no sistema público de ensino brasileiro'’.


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Em 2018, o Alto Comissariado da ONU para os refugiados (ACNUR) apontava existirem aproximadamente 70,8 milhões de pessoas que forçadamente deixaram seus países. Dessas, 25,9 milhões eram refugiadas e outras 3,5 milhões buscavam o reconhecimento da condição de refugiado. Muitos vieram para o Brasil. Daí, por exemplo, as Medidas Provisórias n° 823, de 9 de março de 2018; 857, de 20 de novembro de 2018, e 860, de 3 de dezembro de 2018, estabelecendo a “Operação Acolhida” para refugiados venezuelanos no país. A “Plataforma de Coordinación para refugiados y migrantes de Venezuela” (ONU) indicava que aproximadamente 253 mil venezuelanos tentaram se refugiar no Brasil até 30 de novembro de 2019.

Conforme o “Refúgio em números - 4a. Edição”, da Secretaria Nacional de Justiça, com dados da Polícia Federal de 2018 e da Coordenação Geral do Comitê Nacional para os Refugiados, foram cerca de 80 mil solicitações da condição de refugiado entre janeiro e dezembro de 2018, com um acumulado de mais de 160 mil solicitações de refúgio. Entre os pedidos, destacam-se Venezuela (61.681), Haiti (7.030), Cuba (2.749), China (1.450), Bangladesh (947), Angola (675), Senegal (462), Síria (409), Índia (370), e outras nacionalidades (4.284).

Esses dados apontam para a emergência de territórios em que o plurilinguismo trará desafios sobretudo às escolas públicas. Se antes havia dificuldades para o direito à educação dessas pessoas - não garantido pela Lei do Refúgio de 1951 -, novos dispositivos legislativos permitiram que o CNE normatizasse nacionalmente o direito à matrícula. Entre os refugiados pode haver pessoas surdas, o que deve ensejar os mesmos princípios de acolhimento aqui referendados considerando-se as especificidades das línguas de sinais.

Para os que não falam o nosso idioma, o ensino da língua portuguesa poderia se dar enquanto língua de acolhimento, por meio de uma pedagogia “translanguaging’ (GARCIA, 2009). Essa proposta sugere uma abordagem cujos princípios são o interculturalismo, o respeito pelo outro e práticas linguísticas igualitárias que valorizem o repertório linguístico do aprendiz. Isso tem se revelado uma boa estratégia para o aprendizado de línguas adicionais, conforme excerto abaixo, ipsis litteris, seguido de tradução livre:

[...]

For us, translanguaging includes but extends what others have called language use and language contact among bilinguals. Rather than focusing on the language itself and how one or the other might relate to the way in which a monolingual standard is used and has been described, the concept of translanguaging makes obvious that there are no clear-cut boundaries between the languages of bilinguals. What we have is a languaging continuum that is accessed (García, 2009, p. 73).

[...]

Para nós, translinguagem inclui mas excede o uso e o contato linguístico entre falantes bilíngues. Mais do que focar na língua - no sentido em que o conceito de monolinguismo é geralmente abordado -, translinguagem quer iluminar a dificuldade de delimitação entre as línguas no contexto bilíngue. O que temos é um continuum linguístico. (Tradução nossa)

 

O objetivo é a superação do paradigma de silenciamento e de negação da nossa realidade plurilinguística - línguas de populações indígenas, crioula e afro-brasileiras, surdas, imigrantes. E que adotemos a crescente conscientização de valorização, fortalecimento e promoção da nossa diversidade linguística como um patrimônio nacional. Com efeito, é crescente a percepção internacional do papel estratégico das línguas enquanto instrumentos de cultura e de conhecimento do mundo, assim como dos benefícios da realidade plurilinguística


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enquanto signo de respeito às alteridades e de pertencimento às diferentes expressões da trajetória humana na terra (CATALÁ, 2010).

Em 2018, firmou-se o Convênio Técnico entre o Estado de Santa Catarina e a Província de Missiones, na Argentina. Trata-se do Acordo de Cooperação Técnico Geral cuja vigência deve seguir até dezembro de 2022. O escopo é a ampliação de ações de integração e o estabelecimento de maior aproximação econômica e social entre as populações dos municípios que compõem aquelas fronteiras territoriais.

Na fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa ocorrem experiências linguísticas interculturais com o mundo francófono em escolas bilíngues da rede pública do Estado. Para além do país europeu que tem uma região na América do Sul, a língua francesa é também a língua de países africanos, sobretudo da África subsaariana, cujas matrizes culturais e étnicas também se encontram no Brasil.

A vasta territorialidade do Brasil e as fronteiras com diversos países, culturas, processos históricos, educacionais e línguas assinalam ricas experiências educacionais a partir do contexto histórico-geográfico regional com a língua espanhola e com a língua francesa.

É nesse contexto que, dada a ausência de orientações nacionais, objetivamos uma educação plurilíngue envolvendo a língua portuguesa e línguas adicionais na educação básica. Para isso, é preciso estabelecer em nível nacional: princípios, conceitos, valores e orientação pedagógica para uma educação plurilíngue, seja em “escolas bilíngues/plurilíngues” ou em “programas bilíngues/plurilíngues” Também serão estabelecidas diferenças entre “escolas bilíngues” e “escolas internacionais”.

 

2. Análise

2.1 Fundamentos Legais

 

De acordo com o inciso XIV do artigo 5° da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, “compete privativamente à União: traçar as diretrizes da educação nacional’. Na mesma constituição, o artigo 150 destacava que também competia à União “a) fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País” O artigo 152 assim destacava:

[...]

Art 152. Compete precipuamente ao Conselho Nacional de Educação, organizado na fórma da lei, elaborar o plano nacional de educação para ser approvado pelo Poder Legislativo e suggerir ao Governo as medidas que julgar necessarias para a melhor solução dos problemas educativos bem como a distribuição adequada dos fundos especiaes.

Paragrapho unico. Os Estados e o Disctrito Federal, na fórma das leis respectivas e para o exercicio da sua competencia na materia, estabelecerão Conselhos de Educação com funcções similares ás do Conselho Nacional de Educação e departamentos autonomos de administração do ensino.

 

Com a Constituição de 1946, artigo 5°, inciso XV, alínea “d”, a competência privativa educacional da União se manifestou em termos de legislar sobre “diretrizes e bases da educação nacional’. É ilustrativo e necessário o esclarecimento sobre o alcance desses termos:


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[...]

bases são fundamentos, vigas de sustentação, elementos estruturantes de um corpo. Diretrizes denotam o conceito de alinhamento e, no caso, de normas de procedimento. Aplicados os conceitos à norma educativa, infere-se que as bases remetam à função substantiva da educação organizada. Compõem-se, portanto, de princípios, estrutura axiológica, dimensões teleológicas e contorno de direitos. A este conjunto, podemos chamar de funções substantivas. As diretrizes, por outro lado, invocam a dimensão adjetiva da educação organizada. Encorpam-se, por conseguinte, em modalidades de organização, ordenamento da oferta, sistemas de conferência de resultados e procedimentos para a articulação inter e intrassistemas. As bases detêm um conteúdo de concepção política, as diretrizes, um conteúdo de formulação objetiva. (ALVES CARNEIRO, Moaci. LDB fácil. 23a ed. Revista e ampliada. Petrópolis-RJ: Vozes, 2015, p. 35.)

 

A Constituição Federal de 1988 manteve a essência desses postulados, os quais repercutem na Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB). A LDB implica na dimensão nacional da educação, conforme o inciso XXIV do artigo 22 da Constituição Federal: “Compete privativamente à União legislar sobre: - diretrizes e bases da educação nacional”.

Por sua vez, o inciso III do artigo 205 da Constituição Federal estabelece o “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”. De modo a circunscrever essa liberdade aos desígnios e objetivos da nação, a mesma Constituição ressalta, nos incisos I e II do artigo 209, que “o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I. cumprimento das normas gerais da educação nacional; II. autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”.

O artigo 206 descreve os princípios nacionais da educação e sua correlação com a organização do ensino, enquanto o artigo 208 delineia a estrutura e o dever de agir do estado para que os princípios e valores adquiram materialidade e cumpram a sua funcionalidade.

Os princípios, os valores e as finalidades constitucionais estão refletidos na LDB. Na questão linguística, o § 2° do artigo 210 da Constituição Federal de 1988 assinala que “O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”. Analogamente, devemos assegurar a Libras como língua de instrução mediadora do processo de ensino aprendizagem das populações surdas (grifos nossos).

Conforme o disposto no § 3° do artigo 32 da LDB, o “Ensino Fundamental regular será ministrado em língua portuguesa (...)” (grifo nosso). Já segundo o artigo 26 da LDB, cuja redação foi dada pela Lei n° 12.796, de 4 de abril de 2013:

[...]

26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.

§ 1° Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil. (grifos nossos)

 

Mais recente, o artigo 35A da LDB, cuja redação foi   dada pela Lei n° 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, nos seus § 3° e § 4° enfatiza que:


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[...]

§ 3° O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas.

§ 4° Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino. (grifos nossos)

 

Pelo exposto, pode-se depreender que a reiterada menção à língua portuguesa na educação básica objetiva a manutenção do patrimônio histórico constituído e a comunicação entre gerações e distintas regiões que perfazem o país, tendo em vista a continuidade da unidade nacional. De acordo com o artigo 3° da Constituição Federal de 1988: “Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional". (grifo nosso)

Entretanto, somam-se à Constituição Federal os postulados com os quais o Brasil se comprometeu, em decorrência da assinatura de tratados de cooperação internacional com implicações para o bilinguismo. Um exemplo é o Decreto n° 591, de 6 de julho de 1992, que aprovou o Pacto Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais da ONU (1966). O artigo 13 do anexo a esse decreto enuncia que:

[...]

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

 

Ao mesmo tempo, pelos termos de cooperação entre o Mercosul e a Comunidade Europeia, regulamentados pelo Decreto Legislativo n° 10, de 4 de fevereiro de 1997 e aprovado pelo Decreto n° 3.192, de 5 de outubro de 1999, em especial o artigo 20, o Brasil subscreveu que “As Partes fomentarão a conclusão de acordos entre centros de formação, bem como a realização de encontros entre organismos responsáveis pelo ensino e pela formação em matéria de integração regional.”

Demandas sobre educação bilíngue/multilíngue dialogam com diversos fatores sociais, seja de ordem internacional, nacional ou regional, frequentemente em razão de peculiaridades históricas nas quais a interculturalidade demanda ações do aparato legal constituído. No contexto vigente, a expansão da oferta e da demanda por ensino de línguas adicionais se deve ao aumento da percepção de sua importância e ao vislumbre de determinadas famílias de que seus herdeiros e herdeiras possam completar os estudos da educação básica ou mesmo o ensino superior fora do Brasil. Implícito aí a percepção de valoração cultural e expectativa de desdobramentos mais favoráveis no mundo do trabalho, considerando as injunções decorrentes do incremento do fenômeno digital e suas tecnologias na determinação do ecossistema de produção.

No CNE, a discussão da temática ocorre há pelo menos duas décadas. Da lavra do eminente Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, o Parecer CNE/CEB n° 26, de 6 de agosto de 2001, traça um cenário que remonta à regência do então Conselho Federal de Educação.


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Destaco a sua reflexão sobre as singularidades das competências concorrenciais entre os entes federados:

[...]

Também no art. 24 da Constituição Federal figuram as competências concorrentes entre a União, Estados e Distrito Federal. É preciso observar que, neste caso, são assuntos sobre os quais estes entes federativos podem legislar. O inciso IX deste artigo diz ser matéria concorrente de todos educação, cultura, ensino e desporto.

Destaque-se, também, o que dizem os quatro parágrafos deste artigo.

 

§ 1° No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se- á a estabelecer normas gerais.

§ 2° A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3° Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4° A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Mas, sendo a educação uma matéria de natureza concorrencial, isto é, em que mais de um participante pode intervir simultaneamente na consecução e no atendimento das finalidades maiores e comuns, a competência da União limitar-se-á às normas gerais (§1° do art. 24), não podendo estas ter um caráter exaustivo. Deixa- se aos outros entes a complementação ou suplementação, no que couber (§ 2°do art. 24 e inciso II do art. 30).

Portanto, mesmo que não houvesse delegação, haveria espaço para que os Estados membros pudessem complementar as normas gerais, no que for de sua jurisdição.

Esta delegação tem tradição na legislação e na prática regulamentadora dos órgãos normativos.

 

Na sequência, uma das primeiras demandas no país:

 

[...]

Em base ao art. 104 da Lei n° 4.024/61 que facultava cursos ou escolas experimentais, os Conselhos Estaduais poderiam autorizar o funcionamento de tais cursos ou escolas desde que fossem cursos primários e médios. No caso de experiências pedagógicas bilíngües, o Parecer n° 290/67 do CFE autorizou explicitamente o funcionamento do Liceu Pasteur de São Paulo sob condições determinadas a serem controladas pelos Conselhos Estaduais de Educação.

 

Mesmo reconhecendo as competências complementares dos entes estaduais, o Conselheiro Jamil Cury problematiza as alterações havidas a partir da LDB de 1996, sugerindo a pertinência da atualidade dos termos do Parecer do Conselho Federal de Educação 290, de 7 de julho de 1967 sobre o ensino de línguas adicionais:

[...]

Do ponto de vista prático é preciso considerar, mesmo com a flexibilidade da lei, as cautelas postas no parecer CFE 290/67. Elas são cabíveis.


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Se a nova LDB exige o ensino fundamental dado em língua portuguesa e específica para as comunidades indígenas o uso de suas línguas maternas, o Parecer CEB 4/98 das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e a respectiva Resolução estendem o sentido de língua materna para os filhos de comunidades de imigrantes advindos sobretudo de nossa formação afro-européia. Afinal, está se fazendo jus ao § 1 ° do art. 215 da Constituição que diz ser dever do Estado a proteção das manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. Logo, a língua portuguesa deve merecer atenção especial em todo o período da escolarização. Esta indicação casa-se perfeitamente, em um estabelecimento bilíngüe autorizado, com o art. 13 da Constituição Federal que diz ser a tal língua o idioma oficial da República Federativa do Brasil.

 

Por fim, o Conselheiro Jamil Cury enuncia o seu voto, nos seguintes termos:

 

[...]

A vista do exposto, somos de parecer que, reconhecida a competência exclusiva do Estado Nacional Brasileiro em firmar acordos com Estados Nacionais estrangeiros, reconhecida a competência privativa do Estado Nacional para legislar sobre as diretrizes e bases da educação, os estabelecimentos de escolas bilíngües, ainda que seus mantenedores sejam particulares, cujos cursos da educação básica decorram destes acordos, estão sob a jurisdição concorrente da União e dos Estados- membros. Portanto, na existência prévia de um acordo entre o Estado Brasileiro e um Estado estrangeiro que comporte a possibilidade de escolas bilíngües, cabe aos seus órgãos executivos da educação em consonância com os respectivos órgãos normativos efetivar tal atribuição. Esta competência jurisdicional concorrente deve, em qualquer caso, ter presente o respeito às normas gerais da educação nacional postas pela LDB -- competência privativa da União-- e, no que couber, por outras leis de caráter nacional, inclusive as exigências do Parecer CFE 290/67. A capacidade assegurada de legislar complementarmente sobre a matéria face aos ditames legais e face à tradição advinda de legislações passadas é competência concorrente dos sistemas de ensino.

 

Em síntese,   as exigências do Parecer  CFE    290/1967 assinalavam que a língua portuguesa deveria estar presente em todas as          séries e que seus professores deveriam ser brasileiros ou brasileiras, assim como quem regesse as disciplinas de história, geografia e educação cívica, que também deveriam se dar no idioma nacional.

Na sequência, a temática foi objeto de reflexão no CNE pelo eminente Conselheiro Francisco Aparecido Cordão no Parecer CNE/CEB n° 23, de 10 de dezembro de 2009. Ainda que a questão fosse sobre funcionamento de escola internacional no Distrito Federal, o que ali se observa é um quadro antecipado da necessidade de normatização:

 

1. Escolas estrangeiras regidas por legislação de seus respectivos países;

2. Escolas internacionais cujos acordos de cooperação permitem a validade de certificados e diplomas no país de origem e no Brasil;

3. Escolas estrangeiras que oferecem cursos regulares de livre escolha em língua portuguesa;

4. Escolas mantidas por brasileiros no exterior, a exemplo do Japão, cujo reconhecimento dos estudos é feito pela CEB/CNE.


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Por fim, o Conselheiro Cordão reafirma que “o debate sobre este assunto precisa ser aprofundado por esta Câmara de Educação Básica, envolvendo a equipe da Assessoria Internacional do MEC e, conforme o caso, os respectivos Conselhos Estaduais de Educação e o Conselho de Educação do Distrito Federal”.

Já o Parecer CNE/CEB n° 6, de 14 de março de 2013, e a Resolução CNE/CEB n° 1, de 3 de dezembro de 2013, do eminente Conselheiro Antonio Ibanez Ruiz, normatizam as condições de validação de documentos da educação básica emitidos a estudantes brasileiros no exterior.

Finalmente, a Resolução CNE/CP n° 2, de 22 de dezembro de 2017, instituiu a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil e Ensino fundamental e a Resolução CNE/CP n° 4, de 17 de dezembro de 2018, instituiu a BNCC do Ensino Médio.

Em relação à língua adicional, a BNCC prioriza a língua inglesa como única língua estrangeira obrigatória na área de Linguagens nos anos finais do Ensino Fundamental II e no Ensino Médio. Cumprida essa exigência, não existem óbices para a adoção de outras línguas adicionais.

Considerando que nossos vizinhos majoritariamente falam a língua espanhola, o parágrafo único do artigo 4 da Constituição Federal de 1988 assinala que “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

As demandas por normatização de educação bilíngue/multilíngue que chegam ao CNE se reportam essencialmente às chamadas línguas de prestígio, com destaque para o inglês, haja vista o seu caráter de língua franca na contemporaneidade. Todavia, o ensino formal de idiomas no país abarca número bem mais amplo - alemão, espanhol, francês, italiano, japonês e muitos outros. De fato, há um expressivo contingente de línguas nas licenciaturas reconhecidas pelo Ministério da Educação.

O crescimento de escolas que se dizem bilíngues ocorre sobretudo na rede privada, mas é importante considerar que cerca de 80% dos estudantes brasileiros da educação básica estão matriculados em escolas públicas. Contudo, as informações disponíveis sugerem que o interesse por esse tipo de educação perpassa diferentes classes sociais e faixas etárias. Nesse sentido, é preciso garantir que as já existentes desigualdades educacionais não sejam aprofundadas pela impossibilidade de as classes trabalhadoras oferecerem aos seus filhos as mesmas possibilidades de vivenciar línguas, processos interculturais e perspectivas inovadoras de educação.

Entretanto, existem inúmeras práticas de educação plurilíngue nas redes públicas de ensino brasileiras. Essas Diretrizes objetivam orientar para a redução das desigualdades educacionais no aprendizado de línguas e culturas.

Há estudos que apontam para os benefícios cognitivos, econômicos e sociais da formação bilíngue/plurilíngue - maior desenvolvimento da consciência metalinguística (pela percepção da arbitrariedade entre sons e escrita), ampliação da capacidade de abstração e do pensamento analítico, maior capacidade de desenvolver criatividade; incremento dos ganhos sociais e econômicos; assimilação de diferentes valores culturais e, consequentemente, maior tolerância à diferença e aos direitos humanos (IANCO-WORRALL, 1972; CARMEL S. et al, 2013; BIALYSTOK, 2001).

 

2.2 Bilinguismo & Plurilinguismo

 

Inicialmente, os estudos sobre bilinguismo se centravam nas competências linguísticas dos falantes, em conceituações como native-like control of two langages”” (domínio nativo de duas línguas - tradução livre), (BLOOMFIELD, 1933); “complete meaningful utterances in the other language”” (enunciados completos e significativos - tradução livre), (HAUGEN, 1953). Para Bloomfield, era como se o falante bilíngue comportasse dois falantes


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monolíngues, enquanto para Haugen, seria bilíngue quem produzisse enunciados apropriados em duas línguas.

Contemporaneamente, há muita controvérsia sobre conceitos de bilinguismos. De um modo geral, percebe-se que envolvem não apenas aspectos linguísticos, mas também sociais e interculturais. Há ainda um questionamento sobre diferentes graus de proficiência entre as línguas. Pode ser visto bilíngue alguém que “regularly use two or more languages in their everyday lives” (usa duas ou         maislínguas nosecotidiano – tradução livre), (GROSJEAN, 1989). O conceito perpassa diferentes graus de domínio linguístico e apropriação cultural decorrentes da frequência e da qualidade de uso da língua adicional, dos contextos envolvidos, dos interlocutores e dos meios disponíveis para a interação.

Outros conceitos da literatura demarcam processos temporais de aquisição, é o caso do “bilinguismo sucessivo” - no qual a língua adicional é aprendida posteriormente à primeira língua; e “bilinguismo simultâneo” - no qual ambas são aprendidas simultaneamente, a exemplo de quando os pais falam línguas diferentes.

Com relação à qualidade do processo, são mencionados “bilinguismo equilibrado” - no qual há balanceamento no desenvolvimento das línguas; e “bilinguismo dominante” - no qual uma predomina sobre a outra. Esse último processo ocorre em comunidades indígenas, quando a língua adicional, língua portuguesa, solapa a primeira língua. Quando ambas são igualmente valorizadas, teríamos “bilinguismo aditivo”; quando apenas uma o é - “bilinguismo subtrativo”. Não é o caso de se fazer extensa revisão de literatura sobre a temática, mas convém ter em mente que há distintos pontos de vista e conceituações sobre bilinguismos. Até porque não se trata de fenômeno estanque (MEGALE, 2019). Daí a simultaneidade de concepção sobre educação bilíngue, até porque “a sua caracterização extrapola os limites da escola e inclui outros agentes socializantes como a família, os amigos, a vizinhança, a sociedade maior, os meios de comunicação” (MELLO, 2010).

Uma possibilidade de entendimento pode se dar pelo significado atribuído ao termo:

[...]

Bilingualism, on the other hand, should be able to account for the presence of at least two languages within one and the same speaker, remembering that ability in these two languages may or may not be equal, and that the way two or more languages are used plays a highly significant role (BAETENS, 1986).

[...]

Por outro lado, bilinguismo deve implicar a presença de duas línguas no mesmo falante, lembrando que o nível de proficiência pode ou não ser igual em ambas. É o modo como as línguas são usadas que conjugam um papel significativo Tradução nossa).

 

Estudos acadêmicos mais recentes sobre educação plurilíngue frequentemente abordam a singularidade das experiências, dos tempos e dos estímulos de aprendizagem em cada etapa de desenvolvimento do percurso linguístico. Isso incluiu as funções de cada componente curricular, a exemplo das estruturas de sentenças, frases, discurso; os usos cotidianos da língua; as especificidades da linguagem acadêmica das disciplinas e suas exigências, modos de raciocínio e formulações. Do mesmo modo, a necessidade de se levar em consideração os sujeitos da aprendizagem e as conexões, facilidades e dificuldades decorrentes da proximidade ou distância entre a língua adicional e a primeira língua, assim como os aspectos culturais e sociais envolvidos. Não era esse o entendimento ao longo do século XX:


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[...]

Le structuralisme dominant en linguistique au XXe siècle, de Saussure à Chomsky, a ainsi été associé aux théories béhavioristes puis cognitiviste en psychologie pour faire émerger une conception de l’apprentissage des langues fondées sur l’acquisition autonome de systèmes distincts, représentés idéalement par des locuteurs natifs monolingues (CASTELLATI, 2008).

[...]

O estruturalismo dominante na linguística do século XX, de Saussure a Chomsky, foi associado a teorias behavioristas e cognitivistas na psicologia, e isso produziu um conceito de aprendizado de línguas fundado na aquisição autônoma de sistemas distintos, idealmente representados por falantes nativos monolíngues. (Tradução nossa)

 

No final do século XX, a busca pela simetria, modelos únicos e universais foram se revelando frágeis e inconsistentes para aprendizagem de línguas adicionais. Contemporaneamente, operou-se a preferência pela perspectiva do bilinguismo para o plurilinguismo (CAVALLI, 2005). Ainda que haja uma plêiade de entendimento sobre o que seja um bom ensino de línguas adicionais, alguns componentes se repetem. Entre eles, estágios de aprendizagem, assim como a sua exigência de coerência entre tempos de exposição às línguas, didática, recursos e metodologias tendo em vista os objetivos de aprendizagem estabelecidos no projeto pedagógico da instituição educacional, na adequação aos horizontes dos seus estudantes e à exequibilidade consoante o domínio técnico linguístico e dos componentes curriculares pelos seus professores. Nesse sentido, educação plurilíngue ou bilíngue implica menos o ensino de língua e mais o aprendizado da língua adicional pelo uso estruturado em conteúdos e contextos culturais relevantes.

Esse entendimento não impede diferentes formulações metodológicas e políticas educacionais que contemplem diferentes formatos de educação plurilíngue, desde que sejam considerados seus aspectos fundantes. É o que ocorre na Europa acerca da diversidade de conceitos e definições sobre o que se entende e o que se pratica sobre a designação de educação bilíngue:

 

[...]

Das Konzept wird in den europaischen Landern, in deren Schulsystemen es implementiert wurde, unterschiedlich interpretiert, ausgestaltet und bezeichnet. Selbst innerhalb der einzelnen europaischen Lander gibt es verschiedene Meinungen darüber, was das Konzept im Kern beinhaltet. Die Vielzahl von Bezeichnungen und dahinter stehenden Auspragungsformen macht es schwer, zu einer allgemein akzeptierten Definition zu gelangen. Eine solche wird allerdings von praktizierenden Lehrpersonen, von Schulverwaltungen und Behorden sowie von Forschergruppen immer wieder angemahnt (WOLFF; SUDHOFF, 2015).

 

[...]

O conceito é utilizado e interpretado diferentemente pelos países europeus que adotam escolas bilíngues. Num mesmo país, existem diferentes entendimentos sobre o conceito de educação bilíngue. A variedade de termos e as subjacentes formas e expressões utilizadas tornam difícil uma acepção geral que seja amplamente aceita. Professores, gestores escolares e autoridades, assim como grupos de pesquisa frequentemente reiteram essa dificuldade. (Tradução nossa)


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Isso não é empecilho para que “projetos de educação bilíngue” explicitem os seus pressupostos teóricos, as suas metodologias, os seus materiais didáticos e um currículo em consonância com a existência de quadros profissionais capazes de tornar realidade a sua proposta educacional para os seus estudantes. De fato, é condição sine qua non!

Sabemos que há aspectos comuns entre o aprendizado da primeira língua e o da língua adicional: a noção de variedade linguística nos registros e estilos da fala, leitura e escrita; as diferenças dialetais sociais ou regionais; os processos que facilitam a ampliação do repertório linguístico; as unidades básicas que fundamentam o conhecimento da língua - elementos de fonologia, morfologia e sintaxe; as relações entre linguagem e letramento; e os processos sociais e culturais de interação que enriquecem a internalização e propiciam maior domínio da língua em diferentes situações de fala, leitura e escrita (ADA; BAKER, 2007).

Se bem trabalhada, a decorrência do postulado da existência de similitudes entre o aprendizado da primeira língua e de línguas adicionais podem inclusive favorecer melhor desempenho no aprendizado da primeira. É que o aprendizado de outras línguas, na perspectiva plurilíngue, remete à multiplicidade de perspectivas culturais - dentro e fora do território nacional. Desse ponto de vista, a educação plurilíngue pode iluminar o fato de que o modo como vivemos e entendemos o mundo é signatário de uma cultura - conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, pressupostos, valores e visões de mundo que comportam igualmente analogias e diferenças, interna e externamente. Ser exposto a uma outra cultura, outras línguas, permite maior entendimento da nossa própria e nos torna mais aptos à cidadania requerida pelo século XXI.

 

2.3 Educação bilíngue na América Latina

 

O continente latino-americano vem se esforçando para atingir níveis de proficiência em língua inglesa mais adequados às exigências em curso. As motivações que impulsionaram tentativas de incremento são comumente relacionadas às necessidades de comunicação internacional, à competitividade econômica e à globalização dos negócios. Mas são diferentes as estratégias, os programas e os investimentos.

Um estudo sobre a qualidade do aprendizado de língua inglesa na América Latina identificou avanços e desafios nas escolhas feitas em países como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá, Peru e Uruguai. Esses países concentravam 84% da população e do 87% do Produto Interno Bruto (PIB) da região em 2015. Mesmo sendo marcadamente hispanófona, 68% dos executivos apontam o inglês como a principal língua dos negócios, contra 6% do espanhol e 8% do Mandarim (CRONQUIST, K; FISZBEIN, A., 2017).

Os indicadores utilizados no estudo se basearam na existência de política de ensino da língua inglesa na rede pública que integrasse:

Brasil e Argentina eram apontados como os únicos a não terem definidos padrões de aprendizagem específicos para a língua inglesa – isso foi antes da BNCC. De um lado, Colômbia, Panamá e Peru apostaram no treinamento de professores no exterior. O peru, em especial, tinha somente 27% dos professores do Ensino Fundamental habilitados para o ensino da língua inglesa. Chile (Programa Inglês Abre Puertas – PIAP) e Uruguai (Plan Ceibal)


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empreendem esforços na educação bilíngue na rede pública há mais de uma década, e colhem os frutos desse trabalho. Em termos de longevidade são exceções no continente. Iniciativas análogas que objetivam desenvolvimento consistente em língua inglesa para os estudantes da educação básica ocorrem na Colômbia (Colombia Bilingüe); na Costa Rica (Ensenanza del Inglés como Lengua Extrajeira - EILE); e no México (Programa Nacional de Inglés - PRONI).

Decorrentes das limitações dos modelos tradicionais de ensino, o ponto de partida que fomentou essas opções de enfrentamento ao baixo nível de proficiência em língua inglesa se assemelha a motivações análogas na Europa (BLONDIN et al, 1999). Em 1996, a Espanha focou na Educação Infantil, ofertando inicialmente educação bilíngue para aproximadamente 1.200 crianças a partir de 3 anos de idade em pouco mais de 40 escolas públicas, tendo posteriormente alcançado mais de 200 mil estudantes (DOBSON, A; PEREZ MURILLO, M; JOHNSTONE, R., 2010).

A insatisfação com os resultados frente às exigências econômicas e as necessidades de aprender continuamente mobilizam ações em vários países. De um lado, vê-se a consolidação da língua inglesa como língua da globalização dos mercados; de outro, a sua ampla utilização como língua de pesquisas científicas e do fenômeno digital (SANTOS, 2013). Nesse sentido, essas experiências educativas, especialmente na educação pública, destacam:

 

2.4 Educação plurilíngue no Brasil

 

Após dois séculos de uma colonização que conviveu com diferentes línguas, o ensino da língua portuguesa foi se tornando não apenas a língua adicional para os povos indígenas, mas também a língua oficial do Brasil. Quando da inauguração do nosso primeiro colégio na Bahia, o Tupinambá era extensivamente utilizado na colônia. Após a fundação do Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente em 1553, também a gramática latina passa a ser ensinada. Após a chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808, o antigo Seminário de São Joaquim passa a ser o estabelecimento de ensino público - o Colégio Pedro II. Inspirado nos liceus franceses, cuja língua era também ensinada, ao lado do Latim, do Grego e do Inglês. É, portanto, longevo o ensino das línguas francesa e inglesa no país, também pelo impacto da independência dos Estados Unidos da América (1776) e da Revolução Francesa (1789).

Contemporaneamente, o crescimento da demanda e oferta pelo ensino-aprendizagem de línguas adicionais pode ser observado a partir do Censo Escolar de 2018. As estimativas eram de que 3% das escolas privadas ofereciam algum tipo de educação bilíngue/plurilíngue. Em comparação, na Argentina, Chile e Uruguai os índices eram de cerca de 10% (MARINI, E., 2018).


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Entretanto, há muitos e diversos exemplos no país de ocorrências públicas de educação plurilíngue - o CIEP Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, resulta de parceria entre a Embaixada da França e o governo estadual, o que propiciou troca de experiência entre os professores franceses e brasileiros e a estruturação de formação contínua análoga a escolas bilíngues francesas. Pelo país, outros exemplos de escolas públicas oferecem distintas modalidades de ensino-aprendizagem de línguas adicionais.

Por outro lado, também sabemos das dificuldades existentes nas redes públicas - falta de formação continuada para professores, número elevado de estudantes por sala, carência de recursos tecnológicos, acesso precário a boas conexões de internet e equipamentos digitais. Aliado a isso, as constantes alterações de políticas educacionais consoante os interesses da gestão administrativa do momento frequentemente tornam o trabalho com línguas bem mais árduo nas redes públicas.

O fato é que parte significativa das ofertas de educação bilíngue do país ocorre pelo acréscimo de conteúdos na grade horária, e não conforme programas estruturados em que as línguas adicionais são utilizadas como meio de instrução, com metodologias adequadas, recursos e projeto político pedagógico coerente.

Em praticamente todas as unidades federativas do país há oferta de línguas adicionais em escolas públicas. Em Londrina, no estado do Paraná, o “Projeto Londrina Global”, iniciado por meio da Deliberação 3/2007, oferece programa de língua inglesa do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental. O programa visa a formação integral, articulando elementos lúdicos, interdisciplinares e interculturais. Contando com projeto pedagógico próprio, modalidades de vínculo com professores e formação continuada, já alcançou mais de 10 mil estudantes.

Por meio do Decreto 31.187/2009, o Rio de Janeiro instituiu o “Programa Rio Criança Global”, programa experimental bilíngue que se iniciou em 2013. Em 2019, o projeto abarcava 28 escolas nas comunidades do Complexo do Alemão e Complexo da Maré, áreas de vulnerabilidade social que concentram 31 favelas e cerca de 200 mil habitantes. Estendendo- se da Educação Infantil ao 6° do Ensino Fundamental, eram 14 escolas com língua portuguesa e inglês como segunda língua; 11 com espanhol; 3 com alemão; e 1 com francês. Os eixos centrais eram linguagem, artes, ciência e matemática. Na contratação de professores, observavam-se as competências orais. Instituições como UFRJ, UERJ, UFF e PUC-RJ assessoravam o projeto propiciando a formação continuada necessária aos professores.

Esses e outros exemplos exitosos permitem vislumbrar modelos possíveis de projetos de educação plurilíngue para as redes públicas do país. Cada localidade saberá adequar os recursos disponíveis a projetos que possibilitem ampliação do desenvolvimento linguístico e cultural dos seus estudantes.

No Brasil e noutros países, experiências bem-sucedidas de educação bilíngue parecem seguir as 5 recomendações essenciais para mudanças complexas: 1. visão; 2. habilidades; 3. motivação; 4. recursos; e 5. plano de ação (VILLA, R; THOUSAND, J., 2000).

 

2.5 BNCC e Educação plurilíngue

 

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estipulou a língua inglesa como a única língua adicional obrigatória a partir do 6° ano do Ensino Fundamental. A BNCC estabeleceu campos de experiência para a Educação Infantil e campos de atuação para o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Entretanto, cumprido esse requisito, outras línguas adicionais podem ser oferecidas, a exemplo dos Centros de Línguas em inúmeras redes públicas do país. A expectativa é que não somente as chamadas línguas de prestígio social estejam presentes, mas que também se faculte o aprendizado de línguas indígenas, africanas e outras. De qualquer modo, as competências e habilidades dispostas na BNCC devem constituir o arcabouço para a elaboração das diversas possibilidades de programas de educação plurilíngue do país.


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Entretanto, a BNCC não estipulou objetivos de aprendizagem para a língua inglesa em termos de proficiência a ser atingida na educação básica. E ainda não temos referências específicas sobre a proficiência dos professores. Na América Latina e em outros lugares, adotou-se um padrão internacional ou se construiu um nacional.

Podemos adotar um modelo internacional até que façamos o nosso próprio. De todo modo, referências sobre a qualidade do aprendizado são fundamentais para avaliar o trabalho feito e para orientar etapas subsequentes do ensino, além de nos colocar em sintonia com o que é feito no mundo. Daí a importância da utilização de padrões de qualidade na avaliação de proficiência para professoras, professores e estudantes.

 

3. Recomendações ao Ministério da Educação

 

3.1) Recomenda-se ao MEC e às redes públicas de ensino o estabelecimento de parcerias com instituições de Ensino Superior de reconhecida notoriedade na área de bilinguismo a fim de promover políticas de educação plurilíngue.

3.2) Recomenda-se ao MEC:

3.2.1. criação de espaço e condições para o desenvolvimento de plataforma

digital com materiais e recursos didáticos para educação plurilíngue;

3.2.2. fomento à política de educação plurilíngue envolvendo formação inicial e continuada de professores nas Instituições de Educação Superior (IES);

3.2.3. fomento a bolsas de estudo e a pesquisas acadêmicas interdisciplinares em programas de pós-graduação em modalidades de educação plurilíngue;

3.2.4.criação ou adoção de padrões de avaliação e de certificação de proficiência para docentes em nível nacional;

3.2.5. criação ou adoção de padrões de avaliação e de certificação de proficiência linguística e em conteúdos para estudantes em nível nacional;

3.2.6. criação de política nacional de avaliação para educação plurilíngue.

3.3 Recomenda-se ao MEC a revisão e modernização dos cursos de Pedagogia, Letras e demais licenciaturas visando formar docentes para as demandas decorrentes desta Diretriz.

 

II - VOTO DA COMISSÃO

 

A Comissão vota pela aprovação das Diretrizes Nacionais para a Educação Plurilíngue, na forma deste Parecer e do Projeto de Resolução em anexo, do qual é parte integrante.

 

Brasília (DF), 9 de julho de 2020.

 

Conselheiro José Francisco Soares – Presidente

 

Conselheiro Ivan Cláudio Pereira Siqueira – Relator

 

Gersem José dos Santos Luciano - Membro


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III DECISÃO DA CÂMARA

 

A Câmara de Educação Básica aprova, por unanimidade, o voto da Comissão. Sala das Sessões, em 9 de Julho de 2020.

 

Conselheiro Ivan Cláudio Pereira Siqueira – Presidente

 

Conselheira Nilma Santos Fontative – Vice Presidente


P. 22

 

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P. 24

 

[Descrição da imagem] Fotografia em preto e branco. Na imagem está o brasão de armas da República Federativa do Brasil. Ao centro há uma estrela de cinco pontas com um círculo ao meio contendo o Cruzeiro do Sul. Ao redor da estrela há ramos de café e tabaco, abaixo, uma inscrição com as frases "República Federativa do Brasil" e a data "15 de novembro de 1889". [Final da descrição]

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

 CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

 

PROJETO DE RESOLUÇÃO

 

Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Plurilíngue

 

O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais, tendo em vista o disposto na Lei n° 9.131, de 24 de novembro de 1995, e na Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e com fundamento no Parecer CNE/CEB n° 2, de 9 de julho de 2020, homologado por Despacho do Senhor Ministro de Estado da Educação, publicado no DOU de XX, de XX, de XX, resolve:

 

CAPÍTULO I

DO OBJETO

 

Art. 1° A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Plurilíngue.

Art. 2° As Escolas Bilíngues se caracterizam por promover currículo

único, integrado

e ministrado em duas línguas de instrução, visando ao desenvolvimento de competências e habilidades linguísticas e acadêmicas dos estudantes nessas línguas.

§ 1° Somente podem utilizar a denominação de escola bilíngue aquelas que se enquadrarem nos termos deste artigo.

§ 2° As Instituições educacionais que ofertem todas as etapas da educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) devem ter projeto pedagógico bilíngue que contemple todas as etapas, para que possam ser denominadas como escolas bilíngues, cuja implantação pode se dar gradativamente.

§ 3° As Escolas que não ofertem currículo bilíngue em todas as etapas de ensino devem comunicar essa escolha à comunidade escolar e, em decorrência, não podem utilizar a denominação de escola bilíngue.

Art. 3° As Escolas com Carga Horária Estendida em Língua Adicional não se enquadram na denominação de escola bilíngue, mas se caracterizam por promover o currículo escolar em língua portuguesa em articulação com o aprendizado de competências e habilidades linguísticas em línguas adicionais, sem que o desenvolvimento linguístico ocorra integrada e simultaneamente ao desenvolvimento dos conteúdos curriculares.

Art. 4° As Escolas Brasileiras com Currículo Internacional se caracterizam pelo estabelecimento de parcerias, adoção de materiais e propostas curriculares de outro país, ofertando, portanto, currículos em língua portuguesa e línguas adicionais, e para que sejam denominadas escolas bilíngues, necessitam cumprir os termos do Art. 2° desta Resolução.

Art. 5° As Escolas Bilíngues, as Escolas com Carga Horária Estendida em Língua Adicional e as Escolas Brasileiras com Currículo Internacional são instituições educacionais brasileiras, e devem cumprir a legislação e normas do país, a exemplo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).


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Art. 6° As Escolas Internacionais estão vinculadas a outros países, de onde emanam as suas diretrizes curriculares, as parcerias com instituições educacionais nacionais devem observar legislação e normas brasileiras, a exemplo da BNCC, para a expedição de dupla diplomação.

Parágrafo único. Somente podem utilizar a denominação de instituição internacional aquelas que se enquadrarem nos critérios deste artigo.

 

CAPÍTULO II

DA CARGA HORÁRIA

 

Art. 7° A carga horária do tempo de instrução na língua adicional nas Escolas Bilíngues deve observar os seguintes parâmetros:

I - na Educação Infantil, o tempo de instrução na língua adicional deve abranger, no mínimo, 30% (trinta por cento) e, no máximo, 50% (cinquenta por cento) das atividades curriculares;

II - no Ensino Fundamental, o tempo de instrução na língua adicional deve abranger, no mínimo, 30% (trinta por      cento) e, no máximo, 50% (cinquenta por cento) das atividades curriculares; e

III - no Ensino Médio, o tempo de instrução na língua adicional deve abranger, no mínimo, 20% (vinte por cento) da carga horária na grade curricular oficial, podendo a escola incluir itinerários formativos na língua adicional.

§ 1° Nas situações  previstas nos incisos I, II e III, o currículo bilíngue deve ser

necessariamente oferecido a todos os estudantes.

§ 2° Quando o currículo bilíngue for oferecido de modo optativo, na forma de atividades extracurriculares ou complementares aos estudantes, a escola deve explicitar essa escolha ao seu público e informar que a instituição não se enquadra como escola bilíngue, nos termos do Art. 2° desta Resolução.

Art. 8° A carga horária do tempo de instrução na língua adicional   nas Escolas com

Carga Horária Estendida em Língua Adicional deve ser de no mínimo 3 (três) horas semanais, haja vista que 50% (cinquenta por cento) da carga horária já é obrigatória por lei, as atividades na língua adicional devem ser necessariamente oferecidas a todos os alunos.

Art. 9° A carga horária das Escolas Brasileiras com Currículo Internacional deve seguir legislação e normas brasileiras sobre a carga horária mínima para as disciplinas obrigatoriamente ministradas em língua portuguesa, o tempo relativo à língua adicional é de escolha da instituição, observando-se o disposto nesta Resolução.

Parágrafo único. Caso a escola não ofereça o currículo internacional em todas as etapas oferecidas da Educação Básica o que deve constar do seu projeto pedagógico e informado à comunidade escolar.

 

CAPÍTULO III

DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

 

Art. 10            Nos cursos de formação de professores que irão atuar em Escolas Bilíngues serão exigidos os seguintes requisitos para os professores formados ou em formação iniciada até o ano de 2021:

I - para atuar como professor em língua adicional na Educação Infantil e Ensino Fundamental - Anos iniciais:

a) ter graduação em Pedagogia ou em Letras;

b) ter comprovação de proficiência de nível mínimo B2 no Common European Framework for Languages (CEFR); e


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c) ter formação complementar em Educação Bilíngue (curso de extensão com no mínimo 120 (cento e vinte) horas; pós-graduação lato sensu; mestrado ou doutorado reconhecidos pelo MEC).

II - para atuar como professor em língua adicional no Ensino Fundamental - Anos Finais e Ensino Médio:

a) ter graduação em Letras ou, no caso de outras disciplinas do currículo, licenciatura corresponde à área curricular de atuação na Educação Básica;

b) ter comprovação de proficiência de nível mínimo B2 no Common European Framework for Languages (CEFR); e

c) ter formação complementar em Educação Bilíngue (curso de extensão com no mínimo 120 (cento e vinte) horas; pós-graduação lato sensu; mestrado ou doutorado reconhecidos pelo MEC).

Art. 11 Nos cursos de formação de professores que irão atuar em Escolas Bilíngues serão exigidos os seguintes requisitos para os professores com formação iniciada a partir de 2022:

I - para atuar como professor em língua adicional na Educação Infantil e Ensino Fundamental - Anos Iniciais:

a) ter formação em Pedagogia para Educação Bilíngue e/ou Letras para Educação Bilíngue; e

b) ter comprovação de proficiência de nível mínimo B2 no Common European Framework for Languages (CEFR).

II- Para atuação como professor em língua adicional no Ensino Fundamental - Anos Finais e Ensino Médio:

a) ter graduação em Letras ou Letras para Educação Bilíngue e, no caso de outras disciplinas do currículo, licenciatura na área curricular em que atua na Educação Básica;

b) ter comprovação de proficiência de nível mínimo B2 no Common European Framework for Languages (CEFR); e

c) ter formação complementar em Educação Bilíngue (curso de extensão com no mínimo 120 (cento e vinte) horas; pós-graduação lato sensu; mestrado ou doutorado reconhecidos pelo MEC), exceto para professores com formação em Letras para Educação Bilíngue.

 

CAPÍTULO IV

DA ORGANIZAÇÃO CURRICULAR

 

Art. 12 A organização curricular das Escolas Bilíngues e das Escolas com Carga Horária Estendida em Língua Adicional, deverá incluir:

I - disciplinas da Base Comum, exclusivamente ministradas na segunda língua de instrução, sendo responsabilidade da escola cumprir o disposto na BNCC para o componente curricular de língua portuguesa em todas as etapas da Educação Básica; e

II - disciplinas da Base Diversificada do Currículo a serem ministradas na segunda língua de instrução, podendo essas disciplinas ser desdobramentos da Base Comum ou projetos transdisciplinares que busquem o desenvolvimento das competências e habilidades linguísticas da língua adicional e competências acadêmicas.

Art. 13 As Escolas Brasileiras com Currículos Internacionais devem garantir que o currículo internacional não prejudique o desenvolvimento e avaliação do estudante no currículo brasileiro.

Art. 14 As Escolas Internacionais fundadas por comunidades de imigrantes procedem conforme os acordos bilaterais dos seus estatutos de fundação, observando-se o disposto nesta Resolução.


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Art. 15 As metodologias adotadas em contexto de educação bilíngue devem assegurar os princípios previstos no inciso III do Art. 3° da LDB.

§ 1° As escolhas metodológicas devem ser compatíveis com os pressupostos teóricos que fundamentam essa modalidade de educação, de modo que as abordagens permitam o ensino-aprendizagem de conteúdos por meio de uma segunda língua de instrução.

§ 2° Os conteúdos devem respeitar o disposto na legislação e normas brasileiras, garantindo-se o direito de escolha metodológica pelas instituições, tendo em vista o desenvolvimento das competências e habilidades previstas na BNCC.

Art. 16 As Escolas com Carga Horária Estendida podem optar por abordagens que buscam o aprendizado intenso da língua adicional, desenvolvendo fluência e proficiência sem conexões com os conteúdos acadêmicos.

Art. 17 As Escolas Internacionais e as Escolas Brasileiras com Currículos Internacionais devem seguir os acordos determinados em seus estatutos de fundação, observando-se o disposto nesta Resolução.

 

CAPÍTULO V

DA AVALIAÇÃO

 

Art. 18 A avaliação das Escolas Bilíngues e das Escolas com Carga Horária Estendida fica a critério das instituições que definirão os processos avaliativos em seus aspectos diagnósticos, formativos e somativos.

§ 1° O desempenho dos estudantes nas disciplinas ministradas na língua adicional de instrução deve ser avaliado conforme o currículo da escola.

§ 2° As Escolas Brasileiras com Currículos Internacionais devem dar ciência às famílias em relação aos processos de avaliação estipulados pelos currículos internacionais, além de seguir a legislação nacional referente às disciplinas do currículo brasileiro.

§ 3° As Escolas Internacionais devem seguir os acordos determinados em seus estatutos de fundação e o disposto nesta Resolução para o currículo brasileiro.

Art. 19 Na avaliação da proficiência dos estudantes devem ser observados os seguintes critérios:

I - até o término do 6° Ano do Ensino Fundamental, espera-se que 80% (oitenta porcento) dos estudantes atinjam a proficiência de nível mínimo A2 no Common European

Framework for Languages (CEFR);

II até o término do 9°          Ano do Ensino Fundamental, espera-se que 80% (oitenta por

cento) dos     estudantes atinjam  a proficiência de nível mínimo B1 no      Common European Framework for Languages (CEFR); e

III - até o término Ano do Ensino Médio, espera-se que 80% (oitenta por cento) dos estudantes atinjam a proficiência de nível mínimo B2 no Common European Framework for Languages (CEFR).

Art. 20 Em caso de transferência escolar, cabe às escolas garantir o direito de ingresso de estudantes no currículo em qualquer momento da Educação Básica, sendo de responsabilidade das instituições definir estratégias e recursos de adaptação curricular, conforme legislação e normas nacionais.

§ 1° No caso de escolas privadas, preserva-se o direito da escola de compartilhar os custos do processo de adaptação curricular com os responsáveis pelo estudante.

§ 2° No caso de escolas públicas, é dever do Estado prover recursos para que as escolas públicas bilíngues garantam o acesso à adaptação curricular destes estudantes.


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CAPÍTULO VI

DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS E FINAIS

 

Art. 21 As Escolas que até o ano de 2020 já tenham sido denominadas como escolas bilíngues devem se adequar a esta Resolução, nos seguintes termos:

I - na Educação Infantil, o prazo de adequação a uma das denominações determinadas por este documento é dezembro de 2021, sendo que, em janeiro de 2022, a escola deve apresentar seu Projeto Político Pedagógico, conforme o disposto nesta Resolução, aos órgãos normativos; e

II - para o Ensino Fundamental e Ensino Médio, o prazo de adequação a uma das categorias determinadas por este documento é dezembro de 2022, sendo que, em janeiro de 2023, a escola deve apresentar seu Projeto Político Pedagógico, conforme o disposto nesta Resolução, aos órgãos normativos.

§ 1° A partir de janeiro de 2021 e durante o período de adequação, é necessário que as escolas informem sua comunidade interna e externa sobre o seu plano de adequação a esta Resolução.

§ 2° Para escolas que necessitem de adequação em suas propostas atuais, o Projeto Político Pedagógico para o ano letivo de 2021 deve apresentar o plano de adequação da escola, conforme o disposto nesta Resolução, e ser encaminhado aos órgãos normativos.

§ 3° Em relação à formação acadêmica dos professores, a partir de 2022, fica estabelecido que a escola deve apresentar aos órgãos normativos a comprovação da formação de seus professores:

I - certificado ou diploma de conclusão de curso de Ensino Superior, segundo disposto nos Arts. 10 e 11 desta Resolução;

II - certificado de curso de formação complementar em Educação Bilíngue (curso de extensão com no mínimo 120 (cento e vinte) horas, certificado pós-graduação lato sensu, diploma de cursos de mestrado ou doutorado, reconhecidos pelo MEC), ou comprovação de curso em andamento; e

III - no caso das escolas públicas, é responsabilidade da União, dos Estados e Municípios garantir a capacitação complementar, conforme estabelecido nos Arts. 10 e 11.

§ 4° Em relação à proficiência na língua adicional, fica estabelecido que, a partir de 2022, a escola deve apresentar aos órgãos normativos a comprovação de proficiência de seus professores, conforme estabelecido nos Arts. 10 e 11 desta Resolução:

I - no caso de professores com exercício da profissão iniciado anteriormente ao ano de 2022, e que não tenham comprovação de proficiência mínima determinada pelo Art. 10, cabe à escola privada solicitar autorização provisória de atuação do docente por um ano letivo ao órgão normativo, devendo nesse período ocorrer a capacitação conforme os requisitos de fluência e proficiência na língua adicional dispostos nesta Resolução; e

II - na Educação Pública, cabe à União, aos Estados e Municípios promover ações de formação de docentes para capacitá-los em relação à fluência e à proficiência na segunda língua de instrução, conforme disposto nesta Resolução.

Art. 22 Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.